O mundo é uma biblioteca: Leia a coluna de Gilberto Dimenstein na Folha
21/07/2010GILBERTO DIMENSTEIN
A PROFESSORA de inglês Eunira Galioni está preparando um modo diferente de ocupar o tempo da sua aposentaria: trocar livros usados mundo afora. “É como se eu tivesse uma biblioteca espalhada pelo mundo, sem sair de casa.” E, melhor, quase sem gastar dinheiro. Na maioria das vezes, sem gastar nem um centavo. Nem com o correio.
Tudo começou com a paixão de Eunira pela leitura, iniciada nos Estados Unidos, onde morou com os pais quando era menina. Seus pais saíram do Brasil para trabalhar como operários em Nova Jersey. Não tinham família nem amigos por lá. “Além de não conhecer ninguém, eu era muito tímida e, por isso, me refugiava nos livros.”
Estava ali não só o encontro do prazer pela leitura mas uma forma de sobrevivência.
Aos 14 anos, ela voltou ao Brasil fluente em inglês. Muito tempo depois, tornou-se secretária bilíngue, casou-se, teve quatro filhos. Como era pouco o dinheiro, dava aulas de inglês para reforçar o orçamento. Conformou-se com a impossibilidade de comprar livros em inglês, proibitivos em seu orçamento. “Eu desenvolvi o hábito de ler o mesmo livro várias vezes.”
Assim foi até que descobriu uma tribo planetária que, com a ajuda das tecnologias digitais, criou um sistema de trocas capaz de rastrear os mais diversos livros pelo mundo, cujo slogan é “Faça do mundo uma biblioteca”.
Ela se cadastrou e logo começou a receber, em sua casa, livros em inglês dos mais diferentes países. Algumas vezes, recebia inesperadamente sacos de livros, por causa de uma parceria do projeto com uma empresa naval que se dispunha a fazer o carregamento sem cobrar nada. “Eu me sentia, sem exagero, abrindo um saco deixado pelo Papai Noel.”
A prática virou um misto de hobby com rede social. Ela recebia o livro, devidamente cadastrado, e o passava adiante para alguém que se comprometia a manter a corrente. A pessoa que recebia, em algum lugar da cidade, registrava o livro na página da internet do “Bookcrossing” e, muitas vezes, deixava um comentário ou resenha. Como nem sempre tinha dinheiro para o correio, Eunira montou uma rede de contatos que a avisam quando alguém vai viajar para o exterior. O portador deixa o livro em alguma praça, parque ou café, e ela registra na internet para avisar algum possível interessado.
O virtual até já virou presencial. Numa viagem ao Canadá, encontrou-se pessoalmente com uma das integrantes da tribo -e, é claro, voltou com livros para casa.
Esse tipo de tribo prospera na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, é um hábito desconhecido. Seja porque pouca gente lê, seja porque as pessoas se agarram aos livros.
Mas, agora, o espaço literário mais nobre da cidade vai permitir a troca. A biblioteca Mário de Andrade, que, depois de fechada para reforma, se abre para o público nesta semana, terá um canto para as pessoas deixarem um livro para quem quiser pegá-lo e passá-lo adiante.
Prestes a se aposentar, Eunira ganhou, dessa maneira, um dos melhores lugares para fazer de seu mundo uma biblioteca.
Fonte: Folha de S. Paulo – Caderno Cotidiano
Trocar livros usados pelo mundo é como ter uma biblioteca espalhada por aí, sem sair de casa |
Tudo começou com a paixão de Eunira pela leitura, iniciada nos Estados Unidos, onde morou com os pais quando era menina. Seus pais saíram do Brasil para trabalhar como operários em Nova Jersey. Não tinham família nem amigos por lá. “Além de não conhecer ninguém, eu era muito tímida e, por isso, me refugiava nos livros.”
Estava ali não só o encontro do prazer pela leitura mas uma forma de sobrevivência.
Aos 14 anos, ela voltou ao Brasil fluente em inglês. Muito tempo depois, tornou-se secretária bilíngue, casou-se, teve quatro filhos. Como era pouco o dinheiro, dava aulas de inglês para reforçar o orçamento. Conformou-se com a impossibilidade de comprar livros em inglês, proibitivos em seu orçamento. “Eu desenvolvi o hábito de ler o mesmo livro várias vezes.”
Assim foi até que descobriu uma tribo planetária que, com a ajuda das tecnologias digitais, criou um sistema de trocas capaz de rastrear os mais diversos livros pelo mundo, cujo slogan é “Faça do mundo uma biblioteca”.
Ela se cadastrou e logo começou a receber, em sua casa, livros em inglês dos mais diferentes países. Algumas vezes, recebia inesperadamente sacos de livros, por causa de uma parceria do projeto com uma empresa naval que se dispunha a fazer o carregamento sem cobrar nada. “Eu me sentia, sem exagero, abrindo um saco deixado pelo Papai Noel.”
A prática virou um misto de hobby com rede social. Ela recebia o livro, devidamente cadastrado, e o passava adiante para alguém que se comprometia a manter a corrente. A pessoa que recebia, em algum lugar da cidade, registrava o livro na página da internet do “Bookcrossing” e, muitas vezes, deixava um comentário ou resenha. Como nem sempre tinha dinheiro para o correio, Eunira montou uma rede de contatos que a avisam quando alguém vai viajar para o exterior. O portador deixa o livro em alguma praça, parque ou café, e ela registra na internet para avisar algum possível interessado.
O virtual até já virou presencial. Numa viagem ao Canadá, encontrou-se pessoalmente com uma das integrantes da tribo -e, é claro, voltou com livros para casa.
Esse tipo de tribo prospera na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, é um hábito desconhecido. Seja porque pouca gente lê, seja porque as pessoas se agarram aos livros.
Mas, agora, o espaço literário mais nobre da cidade vai permitir a troca. A biblioteca Mário de Andrade, que, depois de fechada para reforma, se abre para o público nesta semana, terá um canto para as pessoas deixarem um livro para quem quiser pegá-lo e passá-lo adiante.
Prestes a se aposentar, Eunira ganhou, dessa maneira, um dos melhores lugares para fazer de seu mundo uma biblioteca.
Fonte: Folha de S. Paulo – Caderno Cotidiano
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